No coração do litoral sul de Pernambuco, onde a força das marés encontra a riqueza do manguezal, emerge uma história que redefine o sabor local e empodera centenas de mulheres. É nesse território que a chef e empreendedora social Negralinda, à frente de um Bistrô e de um Instituto que levam seu nome, usa a gastronomia como uma poderosa ferramenta de inovação social, gerando renda e valorizando saberes tradicionais. Idealizadora do conceito de Gastronomia do Mangue – transformado, inclusive, em uma linha de produtos congelados pronta para ganhar o mercado nacional -, Negralinda prova que os frutos desse complexo ecossistema, até então pouco valorizados, podem ser ingredientes de uma receita muito maior: a do protagonismo feminino.
Filha de pescadores, a jornada da chef Negralinda, nascida e criada na comunidade pesqueira da Ilha de Deus, é um testemunho de como a capacitação e a parceria estratégica podem alavancar o desenvolvimento sustentável em comunidades tradicionais. Hoje, neste Dia Internacional do Empreendedorismo Feminino, celebrado anualmente em 19 de novembro, ela se destaca como um exemplo inspirador entre milhares que fazem das mulheres protagonistas de suas histórias.
A relação de Negralinda com a culinária começou de forma orgânica em 2014 e está ligada ao Turismo de Base Comunitária (TBC), idealizado por Edy Rocha, com o objetivo de desenvolver pessoas e promover o desenvolvimento do território. Quando foi convidada para ser cozinheira das vivências locais, ela viu nos frutos do mangue não apenas uma fonte de alimento, mas uma identidade a ser celebrada. “Primeiro, foi com a mariscada, um ensopado de marisco com camarão, e logo fui notada. Desde o início, fiz questão de destacar que nossos pescados vinham do mangue, e não do mar”, explica. Para a chef, era uma questão de identidade.
A vocação nasceu ali, numa cozinha comunitária, uma estrutura que teve o apoio do Sebrae e que acabou servindo para o crescimento do seu entorno. Negralinda conheceu a instituição por meio de cursos de capacitação profissional levados ao lugar onde ela morava, uma experiência que utilizou para se qualificar e profissionalizar. “Participei de vários deles para me qualificar profissionalmente”, conta. Hoje, é empreendedora social e gastróloga formada pela Faculdade Senac.

SONHOS
O passo seguinte foi formalizar o que já tinha entrado no destino dela: o Instituto Negralinda, que surgiu em 2018 e foi oficializado em 2020. A missão, bela e muito bem definida, era “transformar mulheres em protagonistas de suas próprias histórias através do desenvolvimento local”. A jornada hoje é vista com admiração por muitas outras mulheres todas as vezes que Negralinda narra a sua história. A virada definitiva veio em 2021. Após participar de um documentário, promovido em parceria com o Senac-PE e focado na culinária do manguezal, Negralinda identificou e oficializou sua especialidade, nascendo ali o conceito de Gastronomia do Mangue.
Em 2025, outro sonho, o da padronização saiu do papel, tendo como instrumento a criatividade e a ousadia – aquela que se faz necessária para todo empreendedor seguir em frente, manter o otimismo e alcançar as metas. O projeto Gastronomia do Mangue lançou uma linha de pratos congelados artesanais, prontos para consumo. Tinha tudo para dar certo e um cuidado redobrado cercava o negócio: identidade visual, embalagem de qualidade, tabela nutricional e código de barras. E deu. A comida virou motivo de comemoração diária do sucesso de uma mulher que empreende mantendo vínculos culturais e territoriais que ela considera essenciais para o produto que vende.
A produção acontece em uma cozinha profissional em Tamandaré, município da Zona da Mata Sul pernambucana, em um espaço que emprega de forma direta um grupo de oito pessoas. O lugar foi criado com o apoio do projeto PE Produz, um programa de fomento de grande relevância em Pernambuco. Desenvolvido pelo Governo de Pernambuco e executado pela Agência de Desenvolvimento Econômico (Adepe), é direcionado ao desenvolvimento de arranjos produtivos locais (APLs). Os recursos seguem para associações e entidades sem fins lucrativos, visando beneficiar diversas cadeias produtivas em todas as regiões do estado – entre elas, aquela que envolve as mulheres marisqueiras do litoral Sul. Empreendedora determinada, a chef Negralinda sabe o que esperar do futuro e por isso vem se empenhando.
Trabalhamos para alcançar o mercado nacional. É nosso atual objetivo, sem dúvidas. O Sebrae é um grande parceiro do Instituto há mais de quatro anos. A cada renovação de parceria, conseguimos nos reinventar, fortalecer nosso trabalho e avançar mais no mercado.
Chef Negralinda.
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Com a parceria entre o Sebrae e o Instituto Negralinda, a equipe coordenada pela chef e Edy Rocha investe em mulheres de comunidades pesqueiras de todo o litoral pernambucano, atendendo atualmente mais de 500 mulheres: “Nossa equipe realiza visitas aos municípios e comunidades pesqueiras do litoral, apresentando o projeto e convidando as mulheres a participarem”. Os insumos, como o aratu, sururu e marisco, são pescados e fornecidos por essas marisqueiras e pescadores artesanais, respeitando a sazonalidade e a conservação do mangue.
Hoje, o portfólio da marca conta com oito produtos: seis congelados prontos para consumo e dois derivados da mandioca, incluindo mariscada do mangue, mariscada do litoral pernambucano, sururu ao coco, caldinho de aratu, bobó de camarão, coxinha de siri (que tem a base de mandioca), fungi (um purê feito com massa de mandioca) e farofa de alho. Ela já tem planos de ampliar o cardápio; e os clientes mais fiéis andam na expectativa.
A qualidade dos produtos de Negralinda é um diferencial e se soma a dois ingredientes extras: a sustentabilidade e o viés social, resultados de uma consciência muito forte fomentada no Instituto, e que o Sebrae não só apoia como estimula entre empreendedores parceiros. Como contribuição social e cultural, a chef Negralinda e a equipe estão trabalhando para transformar a mariscada em Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco com o objetivo do reconhecimento dos saberes e práticas das marisqueiras do litoral pernambucano.
“Utilizamos frutos do mangue respeitando a sazonalidade e priorizando o uso integral dos ingredientes. Também promovemos palestras e capacitações sobre conscientização ambiental nas comunidades pesqueiras, gerando transformação socioambiental por meio do Turismo Sustentável”, afirma. Para quem quer conhecer os sabores de Negralinda e a equipe do Instituto, os produtos da Gastronomia do Mangue podem ser encontrados na Bulltique Premium, localizada no bairro do Pina (Recife); no Bistrô Negralinda, em Tamandaré; e no Marina Café, na orla de Tamandaré.
Como ex-marisqueira, sempre me perguntei por que os frutos do mangue não recebem o valor que merecem no mercado. A realidade é dura: muitas marisqueiras trabalham dois dias para ganhar o equivalente a um, e ainda assim nossa mão de obra não é reconhecida como deveria. Foi na gastronomia que encontrei uma forma de inclusão, valorização e transformação.
Chef Negralinda.
A história de Negralinda é um farol para o empreendedorismo feminino, provando que é possível construir um negócio de sucesso e que, ao mesmo tempo, gera renda, preserva a cultura e protege o meio ambiente: “Não é fácil, mas estamos resistindo e enfrentando o preconceito e a discriminação contra a culinária do mangue, lutando para que ela seja, enfim, inclusa e respeitada no mercado”. Com gosto pernambucano, esta é uma receita de sucesso para se degustar neste Dia Internacional do Empreendedorismo Feminino.
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