Num país que tem mais de 32 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, a campanha Outubro Prateado, de valorização da pessoa idosa, chama atenção para um recorte da população que tem aumentado de forma consistente no país. E os números acabam reforçando cada vez mais a relevância da chamada economia da longevidade ou “prateada”. Esse público pode ser um importante incremento para o empreendedorismo – tanto como consumidores quanto como donos do seu próprio negócio.
“O empreendedorismo 60+ é uma prova de que nunca é tarde para inovar, aprender, criar, fazer a diferença nesse mundo dos negócios. É uma crescente significativa já que estamos com uma expectativa de vida muito alta, hoje em dia. Então, observamos pessoas nessa faixa etária iniciando novos negócios, explorando a oportunidade de empreender com a vantagem de possuir vasta experiência, seja como profissional, seja na vida pessoal, com uma rede de contatos interessante e melhor competitividade em relação aos mais jovens, que ainda não têm um profundo entendimento do mercado”, destaca Cleto Paixão, analista do Sebrae Pernambuco.
O especialista informa que, no estado, apenas nove em cada 100 pessoas com 60 anos ou mais possuem um pequeno negócio e ressalta outros pontos em relação ao mercado sênior.
Muitos estão iniciando essas atividades como uma segunda carreira porque procuraram um lado mais seguro como fonte de renda e, agora que estão aposentados, buscam uma nova oportunidade. Outras pessoas querem realizar o sonho de montar um negócio que não tiveram devido a outras atividades que estavam exercendo.
Cleto Paixão, analista do Sebrae/PE
É o caso de Beatriz Moraes. Ela se aposentou após atuar por mais de quatro décadas na área comercial e, há pouco mais de um ano, criou o “Vou com Bia”. O serviço de acompanhamento de idosos vai além do transporte de pessoas, incluindo suporte em ações cotidianas, como idas a consultas médicas e em atividades culturais, sociais e de lazer. Uma cliente de Beatriz, por exemplo, tem 95 anos e frequenta um clube do Recife para jogar baralho com as amigas.
Beatriz explica o motivo para resolver empreender num período mais associado ao descanso. “Sou uma pessoa de 64 anos muito ativa e, mesmo aposentada, precisava de projetos para continuar a minha jornada de vida. Decidi realizar uma atividade que me desse a oportunidade de fazer a diferença na vida das pessoas idosas, na qual eu mesma administrasse o meu tempo, que gerasse uma renda e me deixasse feliz”, explica.
Ela afirma que os idosos têm desejos e necessidades cuja agenda pode não coincidir com a de familiares ou amigos e, por isso, acabam ficando mais tempo em casa do que desejam. “Ao saírem para alguma programação, seja caminhar no calçadão da Avenida Boa Viagem, tomar uma água de coco no fim da tarde, ir a um café, fazer compras no shopping, ir ao médico, realizar exames, eles já retornam para casa com outro astral, com novas histórias e mais felizes”, afirma a empreendedora – que ainda conta com o reforço da fiel escudeira Mel, uma cachorra da raça maltês de oito anos, companheira em muitos dos passeios.
De acordo com o analista Cleto Paixão, existe outra grande motivação para quem quer empreender após os 60 anos de idade. “Complementar a renda já que o valor da aposentadoria em si não é tão significativo. Isso é interessante porque são pessoas com certa flexibilidade de horário, que aprenderam com a vida, têm uma independência e vantagens como resiliência e paciência. Alguns conseguiram juntar recursos, então montam um negócio com certo capital e até podem ser mentores, por exemplo, porque têm conhecimento, passaram por muitos perrengues”, comenta.
DESAFIOS
Mas tornar-se empreendedor após ultrapassar a marca dos 60 anos de vida também pode trazer dificuldades. “A idade complica bastante o acesso ao financiamento, à obtenção de crédito. Também costuma ser mais demorado entender e adotar novas tecnologias, então eles precisam buscar essas capacitações. Os jovens já vêm nascendo com isso e estão se adaptando a cada mudança, a cada fase que as tecnologias acontecem no dia a dia. Outro desafio é o etarismo. Muitas pessoas têm preconceito com as pessoas com mais de 60 anos e isto é um diferencial negativo para o potencial empreendedor”, enfatiza Cleto Paixão.
O analista de Competitividade do Sebrae Nacional, Flávio Barros, elenca aspectos que devem ser considerados pelos empreendedores que querem focar no público maduro, como acolhimento, atenção e atendimento diferenciado. “A população está envelhecendo e se o empreendedor não se adaptar, treinar os funcionários para terem mais paciência, para serem mais amigáveis ou até oferecerem uma cadeira para o idoso, pode perder o cliente. A experiência com o idoso deve ser espetacular para que ele se fidelize, volte e traga mais clientes”, registra.
Flávio Barros assinala que o e-commerce deve estar adaptado a esse público, incluindo uma comunicação direcionada. “É necessário fazer um aplicativo o mais amigável possível, com poucos cliques, sem complicação, com fontes de fácil leitura e tamanhos maiores. É muito comum empreendedores abrirem negócios on-line somente para o jovem e esquecerem essa parcela considerável de consumidores”, lembra o especialista.
NÚMEROS
Segundo o Censo 2022, o Brasil tem 32,1 milhões de pessoas com 60 ou mais anos de idade, o equivalente a 15,6% da população. A quantidade é 56% superior aos números do levantamento anterior, de 2010, quando foram contabilizados aproximadamente 20,6 milhões de homens e mulheres com pelo menos seis décadas de vida no país – 10,8% dos habitantes. Em 1980, apenas 6,1% estavam nessa faixa etária. Em Pernambuco, a população idosa corresponde a 14,7%, um pouco abaixo da média nacional.