O Nordeste brasileiro reúne cerca de 3,3 mil favelas, onde vivem aproximadamente 4,8 milhões de pessoas. Esses territórios, muitas vezes invisibilizados nas políticas públicas, concentram uma potência econômica expressiva: juntas, essas comunidades movimentam R$ 71,3 bilhões por ano em renda própria. Esses e outros dados fazem parte de um estudo inédito realizado pelo Sebrae em parceria com o Instituto Locomotiva, apresentado nesta quinta-feira (12), no Recife. A pesquisa teve como foco compreender o cotidiano, as dinâmicas sociais e os desafios enfrentados por empreendedores que vivem e atuam em aglomerados urbanos da região. Ela 0contribuirá para a formulação de políticas mais assertivas voltadas à inclusão produtiva em territórios vulneráveis.
As favelas têm especificidades e características e compõem um segmento importante onde o empreendedorismo é uma alternativa muito importante para a sua inclusão. Os moradores mobilizam R$335 bilhões em renda própria por ano e muitos estados brasileiros, integralmente, não têm esse percentual de movimentação econômica. Existem muitas dificuldades, mas, por outro lado, também surgem muitas oportunidadesLuiz Barreto, consultor do Instituto Locomotiva.
A pesquisa revelou que 99% dos empreendedores nordestinos atuam nas favelas onde vivem, reforçando os laços afetivo, social e econômico com o território. Esse senso de comunidade, baseado em solidariedade e apoio mútuo, impulsiona o empreendedorismo local, facilitando trocas de saberes, serviços e consumo entre vizinhos. “Mesmo conectados ao mundo digital, esses moradores mantêm a preferência por consumir de pequenos negócios locais. Isso fortalece a economia da favela e amplia o impacto da renda dentro do próprio território”, enfatizou Barreto.
RADIOGRAFIA
O trabalho em parceria do Instituto Locomotiva e o Sebrae identificou que a maioria dos empreendedores de favelas do Nordeste é composta por pessoas de baixa renda (94% das classes CDE), negras (63% de pretos e pardos) e pouco escolarizadas (45% cursaram somente até o ensino fundamental). Muitos deles possuem baixo índice de letramento digital e tecnologia, acessando internet basicamente por meio de smartphone, em geral, com pouca memória e pacote de dados restrito e uso exclusivo de poucos recursos para acesso a redes sociais e comunicação.
A investigação ainda constatou a grande dependência dos moradores dos aglomerados urbanos aos recursos do Bolsa Família; as principais características dos empreendimentos situados em favelas nordestinas; e como os moradores desses espaços chegaram ao empreendedorismo – a perda de um emprego anterior foi a maior motivação para 53% dos entrevistados. Os empreendedores carecem de qualificação, com apenas 21% deles tendo passado por algum treinamento.
O mapeamento também jogou luz em questões como a quantidade elevada de empreendedores sem CNPJ (77%), um percentual maior ainda dos que não gostariam de se formalizar (84%), ocorrências de desinformação e pouca qualificação dos empreendedores. “A pouca escolaridade é algo que sabemos ocorrer do Brasil e é um desafio para uma instituição como o Sebrae, que trabalha no viés da educação e formativo. E tem uma ocorrência que está à margem do processo educacional. Conhecemos o fenômeno, mas talvez ainda não nos debruçamos o suficiente sobre a questão da informalidade, que é persistente e desafiadora para trabalharmos num território com políticas públicas mais estruturadas”, detalhou.
Entre os principais desafios relatados pelos empresários estão a ausência de renda fixa mensal (48%), falta de benefícios trabalhistas como vales refeição e alimentação e plano de saúde (26%), ausência de contribuição previdenciária (22%) e dificuldades para separar despesas pessoais das do negócio. A divulgação dos empreendimentos ainda é majoritariamente feita pelo boca a boca, o que evidencia a necessidade de estratégias mais estruturadas. Por outro lado, a autonomia foi apontada como a principal vantagem do trabalho por conta própria (68%), seguida pela flexibilidade de horários (28%) e possibilidade de trabalhar com o que se gosta (27%).
MAIS
A pesquisa realizada pelo Sebrae e o Instituto Locomotiva escutou homens e mulheres das classes C e D, com 18 anos ou mais, entre fevereiro e abril de 2024. Todos os participantes da abordagem eram empreendedores autônomos de diversos segmentos, que moram e atuam nas favelas do Nordeste, sejam formais ou informais. A dinâmica da iniciativa incluiu a criação de grupos de discussão e entrevistas com quase 660 moradores de 12 favelas da região.
O estudo foi apresentado durante uma oficina presencial na sede do Sebrae Pernambuco, no Recife. O anúncio deu início à série de encontros que o Sebrae Nacional vai realizar pelo país para dar início ao mapeamento de ações de inclusão socioprodutiva de pessoas em situação de vulnerabilidade social. A programação incluiu uma reunião de benchmarking entre colaboradores da instituição e parceiros externos para comparação de práticas de desempenho e iniciativas afins para coletar informações relevantes, comparar dados e identificar oportunidades de melhoria e otimização das ações e fluxos na área.
“Essa pauta da vulnerabilidade é desafiadora e muito importante para a instituição. Ela inclusive compõe um dos eixos do Cidade Empreendedora, o nosso grande programa de políticas públicas. Dispor de informações consolidadas sobre o assunto facilita a estruturação de uma abordagem inteligente de dados e a elaboração de políticas públicas mais direcionadas para esse grupo de pessoas”, completou Angélica Hatori, analista do Sebrae/PE.
FAVELAS DO BRASIL EM NÚMEROS
- A quantidade de favelas dobrou no Brasil na última década;
- Atualmente, existem 12.348 conglomerados do tipo mapeados no país;
- São 17,2 milhões de pessoas vivendo nessas comunidades em território nacional;
- Elas estão distribuídas em 6,5 milhões de domicílios;
- O Nordeste tem 3.313 assentamentos urbanos;
- 4,8 milhões de pessoas ocupam esses espaços;
- Elas estão distribuídas entre 2 milhões de domicílios na região;
- Os moradores de favelas movimentam R$ 335 bilhões em renda própria por ano;
- Se fossem um estado, formariam a 5a maior massa de renda do Brasil;
- Na região Nordeste, são 71,3 bilhões em renda própria/ano;
- O Sudeste concentra praticamente metade das favelas brasileiras;
- Já o Nordeste reúne cerca de 29% do total.
Fonte: Data Favela a partir do Censo 2022